Seria o tempo de colhermos o que plantamos?

O cineasta François Ozon escolhe delicadeza para narrar um drama repleto de conflitos e suspeições.

Em 18 de abril de 2025.

Por Maria do Carmo Alvarenga.

Título Original: Quand Vient l’Automne (França)

Ano: 2024

Diretor: François Ozon

Roteiro: François Ozon

Elenco: Hélène Vincent, Josiane Balasko, Ludivine Sagnier e Pierre Lottin

Duração: 104 min.

Quando Chega o Verão é daqueles filmes que nos imerge em paisagens bucólicas de um vilarejo francês, inebriando-nos de poesia. Genialmente, o diretor François Ozon apresenta uma trama que envolve conflitos familiares, suspeições policiais com a delicadeza que a atmosfera do cenário propicia.  Na história, Michelle (Hélène Vincent) vive uma vida tranquila numa pequena vila da Borgonha ao lado de sua amiga e vizinha Marie-Claude (Josiane Balasko). Michelle está ansiosa por passar as férias de verão com seu neto Lucas (Garlan Erlos). Os planos, porém, são cancelados quando sua filha Valérie (Ludivine Sagnier) é envenenada acidentalmente pelos cogumelos que Michelle serve no almoço. O caso abala ainda mais a relação entre mãe e filha, carregada de mágoas e traumas do passado e deixa Michelle desolada. Ao mesmo tempo, Marie-Claude enfrenta uma culpa constante em relação ao misterioso filho Vincent (Pierre Lottin), que acaba de sair da prisão.

Toda essa narração poderia se concretizar num drama recheado de discussões entre mãe e filha, ou num suspense de investigação policial, entretanto Ozon entrega um roteiro repleto de delicadezas  e, ao mesmo tempo, posiciona o público como o observador dos conflitos dos personagens. Tudo isso para tocar em temas como envelhecimento, finitude da vida, perdão e redenção. Além do mais é o perfil do diretor não revelar claramente suas intenções. Por isso, as situações permanecem no ar para a interpretação do espectador.

Tudo se desenrola nas entrelinhas, nos deixando em dúvida sobre a inocência das pessoas, principalmente se a simpática vovozinha é inofensiva ou não. Nos pegamos questionando, por exemplo, se ela colocou os cogumelos envenenados de propósito. Quando a vemos observando Vincent brincando com os brinquedos do neto que ela queria desfazer-se ou quando ela diz ao médico que não sabe se foi culpa dela porque preparou os cogumelos, vamos ficando com a pulga atrás da orelha. Somos levados a nos questionar se devemos suspeitar de Vincent por estar no apartamento da Valérie quando ela morre, ou se realmente foi acidente ou suicídio. Mas, todas essas suspeitas são colocadas diante de nós com enorme sutileza, pois o que sobressai são os dramas e as dores íntimas dos personagens.

Um olhar intimista nas ações de cada personagem

Hélène Vincent comove em sua atuação, apresentando a melancolia e a solidão de Michelle através do silêncio, de poucas palavras, do olhar triste de quem carrega culpas e arrependimentos. Ao mesmo tempo ela é materna e doce com o neto que adora, também com a amiga Marie-Claude e com Vincent. Este personagem é marcado, muitas vezes, por gestos e atitudes

interpretados por Pierre Lottin que induzem as suspeitas sobre si. Mas, seria óbvio se o assassino fosse o recém-saído da prisão ou no melhor estilo detetive, a inocente senhora esconde mais do que imaginamos por traz de sua meiguice? Todas essas coisas ficam no ar e cabe a nós definirmos o final. Até mesmo porque não se trata de uma obra investigativa, mas de um drama humano  em que voltamos o nosso olhar para o possível propósito de cada um.

O jovem ator Garlan Erlos também é brilhante em interpretar o neto de Michelle. Lucas parece perdido entre os conflitos da mãe, depois a sua perda e a mudança de vida, saindo de Paris para ir morar no campo com a avó. Sua atuação, no início de poucas palavras, mas de intensa expressão facial, evolui com a trama ao se aproximar de Vincent e encontrar nele um amigo em quem confiar.

A finitude e a instabilidade

A paleta de cores do outono e as imagens bucólicas da natureza da Borgonha enchem os nossos olhos de encantos e contribuem para a leveza da narrativa. Quando vemos as cenas de Michelle colhendo os cogumelos com Marie-Claude ou passeando pelo campo com Lucas sentimos uma calma que apazígua o turbilhão com que os personagens da história estão vivenciando. É como se o cenário fosse uma forma de amenizar o turbilhão que a narrativa apresenta.

O título do filme Quando Chega o Outono, tradução literal do francês “Quand Vient l’Automne”  traz também uma simbologia. Outono marca a transição do verão para o inverno  portanto, simboliza mudança, reflexão e renovação. Além disso, é o tempo da colheita. Talvez o título seja uma metáfora de uma história que demonstra tanto a fragilidade da vida, que somos finitos e o quanto as situações podem mudar totalmente de um momento para o outro.