Direção : Justine Triet Roteiro: Arthur Harari Elenco: Milo Machado Graner, Samuel Theïs, Sandra Hüller
Por Maria do Carmo Alvarenga
Escrito em 01/07/2024, modificado em 21/08/2024
Anatomia de uma Queda (2023), dirigido por Justine Triet, é uma trama de prender o fôlego que nos envolve em reflexões desafiadoras. Sobretudo, tratam-se de verdades, não só as relacionadas aos fatos, mas as subjetivas e íntimas. A história narra o drama de uma família — Sandra, Samuel e Daniel, filho deficiente visual do casal — que habita numa casa isolada, na região dos Alpes Franceses, próxima à Grenoble. Um dia, Daniel encontra Samuel morto e tudo leva à crer que ele caiu do telhado, mas a trama se desenvolve num julgamento em que Sandra é acusada de tê-lo assassinado. Sem testemunhas ou provas concretas de que ela seja a assassina, as investigações vão se complicando por que Samuel sofria de depressão. Diante de pouca ou nenhuma evidência, os advogados se digladiam entre assassinato (promotoria) ou suicídio (defesa).
Muito além do duelo jurídico pelo veredicto se a mulher é culpada ou inocente, a direção do filme nos conduz à reflexões profundas sobre verdades dolorosas que batem às portas de milhares de famílias. Há muito nos deparamos com a constatação de que a depressão é um mal que vem tomando dimensões enormes neste terceiro milênio. É cada vez mais forte o desalento de milhares de pessoas, por diversas razões sociológicas, patológicas e psicológicas . Não me aprofundarei nesse assunto, pois não tenho a formação científica, nem profissional para tanto. Porém , posso me desenvolver sobre o que observo e sobre as experiências que vivo.
Fato é que, quando um indivíduo é acometido por um processo depressivo, esse sofrimento se estende a todos os que convivem com ele. A família se desestrutura, os filhos sentem, os relacionamentos são abalados, amizades se perdem. Por exemplo, em "Anatomia de uma queda", num dado momento do julgamento de Sandra, a promotoria apresenta uma gravação contendo uma discussão do casal feita, desonestamente, pela vítima Samuel. Nesse trecho podemos perceber no desequilíbrio emocional dele a forma como a dupla passa a culpar um ao outro pelo declínio de sua vida à dois e cotidiana. Na discussão, ele, visivelmente frustrado com a vida, culpa a esposa por seus fracassos profissionais e a acusa de ser infiel. Ela relembra-lhe que a infidelidade era consensual, já que ele não a correspondia sexualmente e que ela não poderia viver sem isso. Sim, porque o desequilíbrio emocional interfere na vida afetiva conjugal em todos os sentidos. Trata-se de uma dor tão profunda e intensa, que quem a vive mergulha em seu interior e não consegue mais partilhar de situações alegres, felizes, não há ânimo, nem energia, o que dizer de amar? Talvez, pareça ou seja um egoísmo, talvez seja autodefesa, talvez seja tudo. Repito, não tenho conhecimento suficiente para as explicações precisas, somente reflito minhas observações.
O roteiro e a direção de Anatomia de uma Queda estão tão bem construídos nesse drama psicológico, que, ao meu ver, a direção e as excelentes atuações da atriz Sandra Hüller (Sandra) e do jovem Milo Machado Graner (Daniel), além da participação superespecial do cão Messi, oferecem uma interpretação impecável aos personagens. Para completar a harmonia, a fotografia, ao optar pelos planos próximos misturados à paisagem de inverno deu à história o peso dramático eficiente para envolver o público e sentir a tensão emocional que compõe os personagens do início ao fim. Muito bem merecida a Palm d'or de Cannes 2023 e o Oscar de melhor roteiro original.
Para concluir, o filme me puxou para esse campo de pensamento sobre como o drama pessoa que sofre de depressão e as consequências que transbordam para além do indivíduo.
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