Viagem ao Princípio do Mundo

Por Maria do Carmo Alvarenga

Em 19/10/2024

Direção: Manoel de Oliveira
Roteiro: Manoel de Oliveira e Jacques Parsi
Com: Marcello Mastroianni, Jean-Yves Gauthier, Isabel de Castro, Leonor Silveira, Diogo Dória, José Pinto
País de produção: Portugal/França
Ano de lançamento: 1997

A minha concepção de viagem é algo completamente sensorial. É preciso sentir o destino, respirar seus ares, vivenciar a cultura e experimentar um pouco dos hábitos locais. Assim, nesse clima de imersão, consegui coincidir uma rápida ida à Sampa com o início da 48a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Pesquisei a programação e, de cara, já me interessei pelo título do filme Viagem ao Princípio do Mundo do realizador português, Manoel de Oliveira. Obaaa!!! Cinemaaa!!! Dirigi-me, completamente feliz, à Avenida Paulista, mais precisamente ao cine Reserva.

Devidamente instalada, deixo-me conduzir por mais uma história no telão. Viagem ao princípio do mundo é uma produção luso-francesa que se passa numa viagem do veterano cineasta Manoel (Marcello Mastroianni) pelo norte de Portugal na companhia de três atores. Entre estes, Afonso (Jean-Yves Gautier) é um francês de origem portuguesa, que aproveita a oportunidade para encontrar uma velha tia e descobrir as suas origens, ao mesmo tempo em que Manoel tem um reencontro com o passado.

Oliveira nos proporciona um percurso recheado de poesia, tanto no texto do roteiro quanto nas imagens. Para isso, ele não tem pressa e solicita um olhar atento e paciente do espectador. O ritmo da história é lento e essa vagareza é um convite à respirar, admirar a paisagem e entrar no clima da nostalgia dos personagens. Sim, porque pelo caminho, Manoel vai reencontrando os lugares de sua infância, como o colégio, um prédio em ruínas em que ele para e recorda episódios alegres dos tempos de menino. A saudade se descortina como o tema principal da trama.

Percebi a língua como um fator de destaque nesse filme, que é gravado em francês, mas durante a conversa dos personagens, a língua lusófona vai se fazendo presente também. Por exemplo, o termo “saudade” é privilégio do nosso português e, inclusive, o significado subjetivo é explicado na conversa entre eles. As diferenças entre falantes, que às vezes provocam distâncias, em outras, aproximam e tudo fica evidente, por exemplo, quando a tia de Afonso, num episódio cômico, desconfia da identidade do ator, por ele não falar a mesma língua que ela. Entre diversidades pátrias, vamos desvelando histórias e culturas franco-lusófonas, como guerras e origens dos nomes. Toda essa riqueza de informação é transmitida com leveza, graças ao estilo poético do diretor, ao ponto de sermos agraciados por versos de Camões.

A fotografia bucólica é uma forma de expressar visualmente a extensão das palavras em versos. Ao longo de toda a viagem, vemos as belas imagens do campo e pequenas vilas que complementam a atmosfera poética. A escolha por posicionar a câmera na parte traseira do carro em movimento, ajuda a compor a ideia de saudade, de passado e de caminho percorrido pois, literalmente, vamos deixando as paisagens para trás.

Esse belíssimo filme foi realizado em 1996, quando o diretor Manoel de Oliveira tinha 89 anos. Percebe-se que, o personagem cineasta Manoel, pode ser a sua própria auto-representação e tem também o pai de Afonso que também se chama Manoel. Foi a última atuação de Marcello Mastroianni, que faleceu em dezembro de 1996. Que bom que tivemos a felicidade nesta vida de sermos presenteados com tão brilhantes talentos e com obras eternizadas.


Comentários

Uma resposta para “Viagem ao Princípio do Mundo”.

  1. Só com a descrição, fiquei encantada pelo filme! Cinema e literatura juntos numa viagem, pra representar as belezas da vida (paisagens, momentos vividos, a história de cada um) e sentimentos de todos nós (pertencimento, nostalgia, saudade). Deu muita vontade de ver!!

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